O cuidado na vida das pessoas ostomizadas: do paciente ao cuidador

João Carlos Carvalho Queiroz

Por: João Carlos Carvalho Queiroz
Doutor em Ciências da Saúde

A palavra cuidado é oriunda do latim cogitare – reflexão, pensamento; mas significa também atenção, cautela, precaução. Deriva do latim cura, usada num contexto de relações de amor e amizade.

O cuidado na vida das pessoas ostomizadas possui destacada importância, principalmente porque é ele que proporcionará a harmonia abrangente: na alimentação e hidratação, na higiene e no repouso, na escolha pela atividade física, nos pensamentos e no equilíbrio emocional para acolher possíveis intercorrências em diversos níveis.

O cuidado pode ser melhor compreendido se analisado em algumas dimensões na vida das pessoas ostomizadas:

O cuidado enquanto sentimento

Com o passar dos tempos, verifica-se diversas transformações na estrutura corpórea: seja na forma, nos padrões, na busca por soluções. O ser humano é um ser que se transforma e que se adapta a todo momento. “Nosso cotidiano vive sempre em busca de sentido. Mas, o sentido não é originário, não provém da exterioridade de nossos seres. Emerge [do experimentar], da participação, da fraternização, do Amor (MORIN, 1999).

A vida das pessoas ostomizadas passa por profundas transformações e adaptações com a “chegada” da bolsinha – um acessório de vida em casos, por exemplo, de ileostomia, colostomia e urostomia – desenvolvendo na pessoa sentimentos muito elevados no ato de cuidar-se.

O cuidado enquanto atitude

Cuidar, é mais que um ato. É atitude. Abrange mais do que um momento de atenção, zelo, desvelo – representa uma atitude de ocupação, preocupação e responsabilização com o outro (BOFF, 2004).

Não é um cuidar apenas afetivo, na/da outra pessoa; mas sim cuidar de um ser humano que, por ser vivo ou por pertencer a nossa existência, já é digno de ser cuidado.

O cuidado enquanto necessidade humana

Sem o cuidado, o ser humano deixa de ser humano, “desestrutura-se, perde sentido e morre” (BOFF, 2004).

Através do cuidado com outros seres humanos, a dignidade humana finalmente é [testada], protegida, estimulada e preservada (PERRY, 2004).

O cuidado enquanto relação estabelecida entre o cuidador e o ser cuidado

A relação de ajuda, para os cuidadores e os seres cuidados, se expressa no envolvimento. O Cuidador se torna uma referência para o ser cuidado; alguém que ele pode confiar e buscar quando necessário (WALDOW, 1998).

O cuidar prevê o respeito a privacidade, a garantia da independência e o estímulo a autonomia; pois, o excesso de cuidado tira a espontaneidade das pessoas e origina a vaidade, o narcisismo e a afetação (BOFF, 1999).

À medida que a parceria se processa, [a cumplicidade aumenta e] cada parceiro passa a entender melhor as necessidades do outro. Numa parceria verdadeira e confiante, ambos aprendem, mudam e evoluem (CAPRA, 1996).

O cuidado enquanto princípio ético

A ética é fundamentada por valores e princípios que norteiam o comportamento humano, mantendo uma conduta aceitável e em consonância com a vida; visando o bem individual e coletivo.

A ética deve ser uma edificação de responsabilidade para com a vida e para que tudo dela emane. A ética deve ser mobilizada pela paixão e pelo amor: o amor inteligente, previsível, comprometido com as consequências dos seus atos.

O cuidado e a formação profissional

O grande desafio para o ser humano é combinar trabalho com cuidado. Eles não se opõem, mas se compõem (BOFF, 1999). Eles se ajustam e se completam.

“O Cuidado deve ser construído em um processo de interação interpessoal, pressupondo coparticipação de experiências e crescimento do esforço comum em conhecer a realidade que se busca mudar, não permitindo uma relação de dominação e manipulação do que cuida sobre o que é cuidado” (FREIRE, 2016).

Enfim, o cuidado está presente na educação e na cultura das pessoas; manifestando-se na fé, no respeito, na paciência, na compaixão, na coragem, na perseverança e na gratidão.

A sexualidade na vida da pessoa com ostomia

Por: Marthyna Mello
Enfermeira estomaterapeuta COLOPLAST

Desta vez, vamos aprofundar em um dos fatores que impacta diretamente na sua qualidade de vida: a sexualidade. Vale dizer que a sexualidade permeia todas as etapas do viver humano e é parte integral da nossa personalidade. Trata-se de uma necessidade básica, e é um aspecto que não pode ser separado de outros aspectos da vida. Diz respeito à dimensão íntima e relacional que compõe a subjetividade das pessoas e suas relações com seus pares e com o mundo. Refere-se à emoção que o sexo pode produzir, transcendendo definições físicas restritas ao ato sexual.

Após a confecção do seu estoma, houve uma alteração direta na sua imagem corporal e, consequentemente, uma readaptação do seu estilo de vida, incluindo o fator sexualidade. Nós, da Coloplast, queremos ajudar você a minimizar impactos nessa área com algumas orientações e dicas.

“Sendo estomizado, posso ter relações sexuais?”
Sim, e deve sempre buscar diálogo com o(a) parceiro(a) expondo suas angústias e seus medos para que possam juntos descobrir uma melhor forma de adaptação à nova realidade.

“Meu equipamento pode soltar durante a relação?”
Sim, mas existem adjuvantes que podem auxiliar na sensação de segurança em relação ao seu equipamento, como fitas elásticas e cintos.

“E se meu estoma funcionar durante o ato sexual?”
Lembre-se de que o funcionamento do estoma está diretamente ligado à sua alimentação.

“E se ocorrerem vazamentos?”
A escolha correta do equipamento é fundamental: existem bases adesivas convexas e também adjuvantes que podem minimizar o risco de vazamentos.

“O meu parceiro vai sentir o cheiro da minha bolsa?”
Há adjuvantes que podem auxiliar quanto a isso, para serem utilizados na bolsa coletora. Os equipamentos coletores mais avançados possuem filtro de odor acoplados na bolsa, de forma a evitar a exposição de odores.

“Como fazer para que meu parceiro não veja meu estoma?
Para mulheres, usar lingeries, lenços que cubram o equipamento; para os homens, camisetas. O importante é sentir-se atraente.

“Tenho vergonha de expor minhas dúvidas sobre sexualidade”
Busque os grupos de apoio a estomizados e associações, como a APO. A troca de experiências e relatos o motivará a seguir em frente.

Nós, da Coloplast, nos preocupamos com você e sabemos como a discrição, o conforto, a vida social e a confiança com o uso do equipamento ideal impactam na sua rotina. Conte conosco para tornar sua vida mais fácil e não se esqueça de que a sexualidade de cada um é única. O mais importante é que você esteja bem e feliz consigo mesmo!

Entrevista: Alessandro Nuñez, o primeiro triatleta ostomizado do Brasil

Casado e pai de uma adolescente de 15 anos, Alessandro Nuñez manteve vida de esportes ativa após tornar-se colostomizado (Brasil Ride 2017)

Colostomizado desde novembro de 2010, Alessandro Nuñez, de 50 anos, ficou conhecido como o primeiro triatleta ostomizado do Brasil ao se manter treinando e participando de competições de triathlon – modalidade que combina natação, corrida e ciclismo – após a cirurgia.

Um ano depois de tornar-se colostomizado, Alessandro disputou uma prova nacional de triathlon. Nos anos seguintes, seguiu treinando e disputando várias competições bastante exigentes, o que incluiu o campeonato mundial de triathlon XTerra no Havaí, em 2013, e três provas de ultramaratona de bicicleta, em 2012, 2014 e 2017.

A receita: priorizar a saúde mental e emocional, manter boa alimentação e buscar por adaptações que permitam manter a mesma qualidade de vida de antes da cirurgia.

Confira a entrevista exclusiva de Alessandro Nuñez ao Jornal APO:

Após a sua cirurgia, você manteve um estilo de vida bastante ativo, priorizando a saúde física e mental. Passada mais de uma década da cirurgia, como está sua vida hoje?

Alessandro: Estou seguindo, relativamente muito saudável. O tempo voou, em agosto vai fazer 13 anos que descobri o câncer colorretal. Em novembro de 2010, um ano depois do Dia Nacional do Ostomizado, fiz a cirurgia. Essa data eu nunca esqueço, porque é a data que comemoro como um aniversário.

Continuo casado, trabalhando com vendas no meio corporativo. Minha filha era pequena na época da cirurgia, hoje é uma adolescente de 15 anos. Também sigo fazendo alguns treinos, mas não tão intensos como antes. No meio da pandemia parei com os treinos de natação e acabei não voltando ao triathlon, mas pretendo retornar. O esporte realmente me movimenta para a vida. Uso como forma de qualidade de vida, como antiestresse, para várias coisas.

Ultramaratona disputada em 2012 na Chapada Diamantina

Olhando para trás, qual foi a importância de lidar bem com a saúde mental emocional nos meses e anos pós-cirurgia?

Alessandro: Considero que a grande questão foi a mental, não a física. Eu era praticante de esportes, então em algumas coisas isso realmente ajudou, como na condição física para suportar os tratamentos que fiz. Mas a parte emocional e mental foram muito mais importantes do que a parte física para lidar com a nova condição.

Na época, como faz muito tempo, não tinha muitas referências de quem buscar quanto à vida como ostomizado, principalmente em relação à prática de esportes. Então eu me espelhava em pessoas que tinham outras deficiências e que deram a volta por cima muito bem. Uma delas foi o Fernando Fernandes [atleta paralímpico]. Ele, no momento dele, conseguiu dar a volta por cima e hoje dá exemplo. Ele é uma pessoa que até hoje acompanho, vejo o que ele consegue praticar com a limitação que tem. Então coloquei na minha cabeça: eu tenho uma limitação, mas consigo lidar bem, fazer as coisas, ir adaptando.

Me espelhar em outras pessoas ajudou bastante. Depois da primeira reportagem no Jornal APO, há 12 anos atrás, muita coisa se abriu, porque meio que sem querer virei uma referência para outras pessoas ostomizadas que vinham atrás, e até hoje tem pessoas que me procuram. Então ter pessoas para me espelhar foi fundamental, e depois me tornar uma referência e poder de alguma forma contribuir ajudou ainda mais a melhorar o meu mental.

Você falou que reduziu um pouco os treinos e competições. Como está sua vida de atleta atualmente?

Alessandro: Eu sou uma pessoa que precisa sempre estar fazendo algum tipo de esporte independentemente de estar competindo ou não. Atualmente meu esporte maior é andar no mínimo três quilômetros com meu cachorro border collie, que também é esportista e requer que eu caminhe bastante com ele. Também tenho feito bastante treinos de musculação e de pedal.  

A questão da pandemia mudou muita coisa, né? Minha última prova foi antes da pandemia, em 2019, no Uruguai. Fiz uma prova de bicicleta de três dias lá. Mas estando ou não competindo, se der eu vou até 100 anos fazendo esporte dentro das minhas capacidades.

Passados vários anos da cirurgia, de que forma a ostomia impacta atualmente no seu dia a dia?

Alessandro: A questão da alimentação é chave: se alimentar com comidas saudáveis e tomar água adequadamente são coisas que realmente ajudam no dia a dia e no trato da ostomia. No meu caso, eu faço a irrigação [técnica de lavagem intestinal para colostomizados] há 12 anos, então isso dá um pouco mais de qualidade de vida. Normalmente eu estou com a bolsa vazia, nunca está cheia. Mas isso também está muito relacionado ao que se come.

Com o tempo você aprende a conhecer seu organismo. Sendo ostomizado ou não, a boa alimentação junto com a prática de esportes reflete numa série de benefícios que vão além da diminuição do estresse.

Ao longo desses anos tive alguns problemas relacionados à condição de ostomizado, mas sempre consegui dar a volta por cima. Nunca deixei isso me vencer, sempre tive em mente que não vai ser isso que vai me impedir de fazer alguma coisa. É tudo uma questão de adaptação.

Conheça a história de Enzo, paciente da APO que tem um distúrbio raro que causa obstrução intestinal

Jessica Fagundes e Enzo Miguel, portador da Doença de Hirschsprung

O Enzo Miguel, hoje com três anos, precisou fazer uma cirurgia de colostomia com apenas 26 dias de vida. Uma semana depois, foi necessária nova intervenção cirúrgica, desta vez uma ileostomia. Os problemas de saúde enfrentados desde cedo pelo menino são decorrentes de um distúrbio raro chamado Doença de Hirschsprung, que acarreta a obstrução parcial ou total do intestino baixo e afeta cerca de um em cada 5 mil recém-nascidos.

Como a doença não é detectada nos exames pré-natais, seus pais, que na época moravam no município de Vilhena, no interior de Rondônia, descobriram o distúrbio horas depois do nascimento, já que Enzo não mamava nem evacuava. Após exames, foi descoberta a obstrução intestinal e, com a suspeita da Doença de Hirschsprung, a família precisou deixar o estado natal e se deslocar para Cuiabá, no Mato Grosso, para ter melhor acompanhamento médico. Enzo só teve alta hospitalar três meses após o nascimento.

Ao receber a alta, a família voltou para Rondônia e permaneceu lá até o menino completar dois anos. Quando completou a idade, em janeiro de 2022, Enzo e sua mãe, Jessica dos Santos Fagundes, vieram para Curitiba para fazer a cirurgia de reversão da colostomia e ileostomia. O procedimento foi feito semanas depois, mas os meses seguintes foram de complicações de saúde.

“Depois da reversão foi uma luta. Houve muitas cólicas e intercorrências. Ele não conseguia comer direito, perdia muito o apetite”, diz Jessica. “Íamos semanalmente ao hospital para ele tomar soro, porque desidratava. Aí, sete meses após a reversão, chegou um momento em que ele parou de evacuar, e o intestino dele perfurou”.

Com a família novamente em Rondônia, sem a estrutura médica necessária para o atendimento, Jessica e Enzo precisaram pegar um voo para Curitiba com urgência. Logo que chegou ao hospital, constatada a perfuração intestinal, foi feita nova cirurgia de ileostomia. “Se estivéssemos em Curitiba durante a recuperação da reversão, com a estrutura necessária, nada disso teria acontecido. Mas a demora devido à falta de recursos em Rondônia levou a essas complicações maiores. Agora decidi ficar em Curitiba. Mas aqui só estamos eu e o Enzo. Meu marido precisou ficar no Mato Grosso trabalhando”.

Participação na APO

Depois da confecção da nova ileostomia, a saúde e a disposição do menino melhoraram. Hoje ele faz acompanhamento médico para em breve proceder novamente com a reversão. Desde setembro do ano passado, Jessica e Enzo passaram a frequentar a APO para atendimento e encontros da associação. “Quando conhecemos a APO fiquei muito feliz em poder participar, porque estamos nós dois sozinhos morando em Curitiba. Não temos ninguém. Desde então estamos indo todo mês. Ele gosta de lá, quando chega fica feliz. Ele chama a Luiza, ex-presidente, de ‘vovó’. Para nós é muito bom”, conta Jessica.

Redes sociais

Com as experiências e o conhecimento adquiridos durante esses três anos lidando com a condição de saúde do Enzo, Jessica decidiu criar um perfil no Instagram para ajudar outras famílias que estejam passando pelos desafios da adaptação à Doença de Hirschsprung. A conta @enzo_miguelff já soma mais de mil seguidores e traz postagens sobre o dia a dia do menino e o cuidado com a doença.

“O objetivo desse perfil sempre foi ajudar pessoas que estão começando a lidar com isso agora e ajudar com experiências nossas. Quando o Enzo nasceu, eu nunca tinha ouvido falar dessa doença. Eu pesquisava na internet sobre como cuidar e não achava quase nada, e no hospital eles só ensinam o básico. Então como para mim foi tão difícil aprender, criei esse Instagram para colocar tudo o que eu sei e ajudar outras mães”, conta Jessica.