Como funciona o desenvolvimento de uma vacina?

Após quase um ano lidando com as consequências da pandemia do coronavírus – não somente aquelas relacionadas à saúde, mas também as socioeconômicas e emocionais –, a chegada das vacinas contra o vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, é a grande esperança para dias melhores em 2021.

Uma vacina, como explica Guilherme Ferreira Silveira, doutor em Biociências e pesquisador em Saúde Pública na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), tem como objetivo apresentar ao organismo do paciente uma versão mais fraca de um patógeno (vírus, bactéria). Com isso, o organismo (mais especificamente o sistema imunológico) desenvolve uma memória sem que o paciente fique doente para isso. “Assim, caso o paciente entre em contato com o patógeno, esse encontro terá pouquíssima chance de levar a um quadro grave de doença”, explica Guilherme.

Apesar do tempo abreviado para a produção das vacinas contra o novo coronavírus, decorrente da urgência de uma imunização, o processo de desenvolvimento de uma vacina costuma ser complexo e, algumas vezes, extenso, já que é fundamental garantir não somente eficácia, mas também segurança. Para isso, há duas fases antes do processo de fabricação e distribuição: a pré-clínica e a clínica. 

FASE PRÉ-CLÍNICA

Na fase pré-clínica, serão utilizadas técnicas laboratoriais e animais de laboratório para que se possa conhecer o funcionamento do imunizante. Nessa etapa também se desenvolve a posologia ou agenda vacinal – algumas vacinas são de dose única, outras necessitam de reforço. Esse período é conhecido como pré-clínico pois não envolve voluntários humanos. “Dado o rigor científico empregado em toda pesquisa biomédica, a grande maioria das vacinas candidatas são reprovadas nessa fase. Qualquer indício de que ela não seja segura ou que seja ineficaz leva à terminação do projeto, e este não irá avançar para as próximas fases”, relata o pesquisador. 

FASE CLÍNICA

Havendo sucesso no estudo pré-clínico, passa-se para o estágio seguinte, que é a fase clínica, dividida em três etapas de aplicações da vacina em humanos. Apesar dos dados obtidos até então poderem sugerir a possível segurança e eficácia da vacina, apenas a pesquisa com voluntários pode realmente definir essas condições.

A primeira etapa da fase clínica envolve dezenas de voluntários saudáveis, sem comorbidades (doenças cardíacas, respiratórias, metabólicas, etc.), e que não tenham tido contato com o patógeno-alvo da vacina. “Na etapa 1, os cientistas estão preocupados com a segurança e a eficácia da vacina. Caso os voluntários respondam bem, sem sinais e sintomas decorrentes da vacina, isso indica que ela é segura e, caso essa vacina induza à resposta imunológica, ela será considerada eficaz”, explica Guilherme.

Com esses resultados sendo positivos, é possível partir para a etapa 2, que ainda se preocupa com a segurança e a eficácia. Nesse estágio, entretanto, serão avaliadas centenas de pessoas escolhidas aleatoriamente e serão incluídos voluntários que apresentem comorbidades. Como esse teste se aproxima mais de uma condição normal da população, ele permite certificar que o imunizante é seguro. A etapa 2, portanto, vai determinar se a vacina poderá ser administrada na população em geral. Nesse estágio, assim como nos outros, é esperado que uma pequena parte dos voluntários desenvolva sintomas. “Esses sinais e sintomas serão depois reportados na bula das vacinas, como possíveis efeitos adversos. É assim que os cientistas sabem, por exemplo, se pacientes grávidas podem tomar a vacina, ou se diabéticos podem ter contra indicações”, afirma o pesquisador.

Definidas as condições dos voluntários na etapa 2, e com resultados satisfatórios para a segurança e eficácia, a vacina segue para a etapa 3, que é o último estágio clínico. Agora o número de voluntários testados será na casa dos milhares, sendo que o alvo principal é determinar a eficácia. Vacinas aprovadas na etapa anterior são consideradas seguras, sendo que o estágio seguinte determinará também possíveis condições adversas, mas, principalmente, qual o número de pessoas que poderá desenvolver uma resposta imunológica eficaz.

Caso haja sucesso também nessa etapa, o imunizante pode ser considerado seguro e estará apto a avançar para a fabricação e distribuição.

TEMPO DE DESENVOLVIMENTO

De acordo com o biomédico, o tempo para o desenvolvimento de uma vacina é incerto: para patologias crônicas e mais raras, a conclusão de todas as etapas pode demorar vários anos; já para patologias agudas, em que um número grande de pessoas está suscetível, isso pode ser encurtado principalmente quanto à etapa 3 da fase clínica, na qual é necessário atingir um alto número de voluntários para receberem o imunizante. Esse segundo caso relaciona-se à realidade da COVID-19: dada a urgência de um imunizante graças ao estado de pandemia, há uma mobilização para que haja voluntários suficientes.

“Quaisquer pesquisas biomédicas devem ser pautadas pelos dados obtidos. Por isso, o tempo em si não é a principal preocupação”, aponta Guilherme. “Muitas características são necessárias para essa determinação. Caso sejam apresentados resultados claros e evidentes relacionados à eficácia e a segurança da vacina, o fato de terem sido obtidos em menos de um ano não seria o principal problema”.