Colostomizado desde novembro de 2010, Alessandro Nuñez, de 50 anos, ficou conhecido como o primeiro triatleta ostomizado do Brasil ao se manter treinando e participando de competições de triathlon – modalidade que combina natação, corrida e ciclismo – após a cirurgia.
Um ano depois de tornar-se colostomizado, Alessandro disputou uma prova nacional de triathlon. Nos anos seguintes, seguiu treinando e disputando várias competições bastante exigentes, o que incluiu o campeonato mundial de triathlon XTerra no Havaí, em 2013, e três provas de ultramaratona de bicicleta, em 2012, 2014 e 2017.
A receita: priorizar a saúde mental e emocional, manter boa alimentação e buscar por adaptações que permitam manter a mesma qualidade de vida de antes da cirurgia.
Confira a entrevista exclusiva de Alessandro Nuñez ao Jornal APO:
Após a sua cirurgia, você manteve um estilo de vida bastante ativo, priorizando a saúde física e mental. Passada mais de uma década da cirurgia, como está sua vida hoje?
Alessandro: Estou seguindo, relativamente muito saudável. O tempo voou, em agosto vai fazer 13 anos que descobri o câncer colorretal. Em novembro de 2010, um ano depois do Dia Nacional do Ostomizado, fiz a cirurgia. Essa data eu nunca esqueço, porque é a data que comemoro como um aniversário.
Continuo casado, trabalhando com vendas no meio corporativo. Minha filha era pequena na época da cirurgia, hoje é uma adolescente de 15 anos. Também sigo fazendo alguns treinos, mas não tão intensos como antes. No meio da pandemia parei com os treinos de natação e acabei não voltando ao triathlon, mas pretendo retornar. O esporte realmente me movimenta para a vida. Uso como forma de qualidade de vida, como antiestresse, para várias coisas.
Olhando para trás, qual foi a importância de lidar bem com a saúde mental emocional nos meses e anos pós-cirurgia?
Alessandro: Considero que a grande questão foi a mental, não a física. Eu era praticante de esportes, então em algumas coisas isso realmente ajudou, como na condição física para suportar os tratamentos que fiz. Mas a parte emocional e mental foram muito mais importantes do que a parte física para lidar com a nova condição.
Na época, como faz muito tempo, não tinha muitas referências de quem buscar quanto à vida como ostomizado, principalmente em relação à prática de esportes. Então eu me espelhava em pessoas que tinham outras deficiências e que deram a volta por cima muito bem. Uma delas foi o Fernando Fernandes [atleta paralímpico]. Ele, no momento dele, conseguiu dar a volta por cima e hoje dá exemplo. Ele é uma pessoa que até hoje acompanho, vejo o que ele consegue praticar com a limitação que tem. Então coloquei na minha cabeça: eu tenho uma limitação, mas consigo lidar bem, fazer as coisas, ir adaptando.
Me espelhar em outras pessoas ajudou bastante. Depois da primeira reportagem no Jornal APO, há 12 anos atrás, muita coisa se abriu, porque meio que sem querer virei uma referência para outras pessoas ostomizadas que vinham atrás, e até hoje tem pessoas que me procuram. Então ter pessoas para me espelhar foi fundamental, e depois me tornar uma referência e poder de alguma forma contribuir ajudou ainda mais a melhorar o meu mental.
Você falou que reduziu um pouco os treinos e competições. Como está sua vida de atleta atualmente?
Alessandro: Eu sou uma pessoa que precisa sempre estar fazendo algum tipo de esporte independentemente de estar competindo ou não. Atualmente meu esporte maior é andar no mínimo três quilômetros com meu cachorro border collie, que também é esportista e requer que eu caminhe bastante com ele. Também tenho feito bastante treinos de musculação e de pedal.
A questão da pandemia mudou muita coisa, né? Minha última prova foi antes da pandemia, em 2019, no Uruguai. Fiz uma prova de bicicleta de três dias lá. Mas estando ou não competindo, se der eu vou até 100 anos fazendo esporte dentro das minhas capacidades.
Passados vários anos da cirurgia, de que forma a ostomia impacta atualmente no seu dia a dia?
Alessandro: A questão da alimentação é chave: se alimentar com comidas saudáveis e tomar água adequadamente são coisas que realmente ajudam no dia a dia e no trato da ostomia. No meu caso, eu faço a irrigação [técnica de lavagem intestinal para colostomizados] há 12 anos, então isso dá um pouco mais de qualidade de vida. Normalmente eu estou com a bolsa vazia, nunca está cheia. Mas isso também está muito relacionado ao que se come.
Com o tempo você aprende a conhecer seu organismo. Sendo ostomizado ou não, a boa alimentação junto com a prática de esportes reflete numa série de benefícios que vão além da diminuição do estresse.
Ao longo desses anos tive alguns problemas relacionados à condição de ostomizado, mas sempre consegui dar a volta por cima. Nunca deixei isso me vencer, sempre tive em mente que não vai ser isso que vai me impedir de fazer alguma coisa. É tudo uma questão de adaptação.